Este é um singelo tributo ao Engº José Neves dos Santos, falecido inesperadamente no dia 23 de Julho de 2019.
Os pais do Engº José Neves dos Santos eram naturais do Feridouro e ele, bem como as irmãs, pertenceu à geração que viveu a maior mudança a que estas terras assistiram durante milénios, a da transição entre o antigo modo de vida, baseado na agricultura de subsistência, a dependência básica dos recursos locais e uma grande interdependência entre os membros da comunidade local, e um modo de vida “moderno”, que no caso do Feridouro, uma aldeia pequena e com parcelas agrícolas de igualmente pequena dimensão, significou uma mudança ainda maior do que noutras comunidades vizinhas, de tal maneira que hoje restam apenas dois habitantes históricos, ambos viúvos e de idade mais ou menos avançada.
Esta foi a geração da pertença, permitam-me até que diga, do “coração dividido”, entre contextos distintos, o que ficou para trás no tempo, e o de adopção, muitas vezes quiçá, com o coração ainda mais perto do que ficou para trás do que do de adopção. Uma ligação à qual porventura não faltou tristeza e melancolia, porque esta foi também a geração que assistiu, no espaço de uma única vida, ao mais rápido processo de degradação que um meio frágil como o local experimentou desde que foi laboriosamente construído pela mão humana. Degradação visível tanto ao nível das estruturas construídas – casas, adegas, eiras, moinhos, levadas, leiras, muros, represas – como ao nível da paisagem viva, porque, há que reconhecê-lo, a paisagem das gerações anteriores era fortemente humanizada, com quase total aproveitamento de todos os seus elementos pelas comunidades de subsistência. Era, nesse sentido, um ecossistema cultural, que não podia sobreviver sem a constante presença e cuidado dos humanos. Ao se retirarem estes, esse ecossistema degradou-se rapidamente, tal como as estruturas construídas, degradação fortemente acentuada pelo cultivo do eucalipto e a expansão das espécies invasoras.
Tudo isso vivenciou o Eng. José Neves dos Santos durante a sua vida, e talvez nela tenham sido ainda mais manifestas essas forças dilacerantes entre a memória do passado e a atenção ao presente, concretizados no regresso frequente à casa paterna, mantida tanto quanto possível funcional, na preocupação com os temas da serra, muitas vezes alvo de atenção na sua intervenção cívica, e até no próprio nome do Cabeço Santo, levado carinhosamente para uma rua da urbanização cuja construção promoveu (era Eng. Civil), e onde vivia, perto da cidade de Águeda.
Mas, o principal motivo porque se justifica este escrito neste blogue é porque, entre as parcelas incluídas nos últimos anos na área de intervenção do Projecto Cabeço Santo estão várias que o Engº José Neves dos Santos entendeu disponibilizar sem contrapartidas para os fins perseguidos pelo PCS, sendo uma delas essencial para a unidade paisagística do Vale de Barrocas, uma parcela com c. de 2 ha, exactamente aquela onde iniciámos a rega de Sábado, 21/7. Mas também de relevância são parcelas mais pequenas no Cortinhal, na Costa e na Chousa (aqui uma parcela ribeirinha de Várzea e uma área de encosta, fracção de um terreno maior que permaneceu com eucaliptal).
Esta disponibilização foi fruto da consideração que o Engº José Neves dos Santos sentia pelo PCS, e por ver neste um caminho válido no sentido de reverter o processo de degradação da paisagem da sua infância a que foi assistindo ao longo da vida, ainda que “reverter” dificilmente pudesse significar “inverter”, no sentido em que a paisagem pode ser melhorada e “reinventada”, mas não pode voltar a ser o que era.
Esta disponibilização é também ilustrativa da forma como um projecto como o PCS poderia funcionar a uma escala mais larga, com um número elevado de parceiros titulares de propriedade para além da Altri Florestal e da Quinta das Tílias, e sem a propriedade ter necessariamente de ser comprada ou arrendada [como na prática fez a Quinta para poder disponibilizar algumas áreas chave]. O caso da parcela de 2 ha no Vale de Barrocas que ficou totalmente associada aos trabalhos do projecto é, neste contexto, uma situação excepcional. Já seria uma contribuição significativa se houvesse um número significativo de proprietários que disponibilizasse partes de terrenos em produção de eucaliptal, aquelas que permitissem dar continuidade a um corredor ecológico ou cujo impacto na exploração se afigurasse mais elevado, como seria o caso da encosta da Chousa. A intervenção pública do Engº José Neves dos Santos pode não ter sido sempre consensual e às vezes terá sido até provocadora, mas neste caso foi positivamente pioneira.
Deste modo, neste momento lutuoso, é de toda a justiça este pequeno tributo ao Engº José Neves dos Santos. Para a família, enviamos sentidas condolências.
Paulo Domingues
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