O desafio das espécies invasoras

As espécies invasoras são um problema global e esta região também não é excepção. Poderão não ser muitas as espécies cuja presença é mais visível, mas a sua “agressividade” compensa bem o seu número. Algumas podem ter sido plantadas com objectivos específicos, mas outras expandiram-se mercê da sua capacidade colonizadora, da já frágil condição dos habitats que ocuparam e da inexistência de inimigos naturais, por serem espécies fora do seu ambiente natural.

A mais difundida das espécies invasoras da nossa paisagem é a mimosa (Acacia dealbata). Planta de origem australiana, terá provavelmente sido plantada como ornamental, mas a sua expansão na paisagem não precisou de muitas ajudas. As suas abundantes sementes podem permanecer no solo por longos anos até que um factor desencadeador as faz germinar em massa. O mais eficaz desses factores é o fogo, mas uma perturbação do solo também contribui. Uma vez germinadas, crescem vertiginosamente, crescimento apenas limitado pela densidade com que se tenham instalado, que pode ser muito elevada. Crescem mais rapidamente em solos frescos, com uma marcada preferência pelas margens dos cursos de água, onde árvores com mais de 10 metros de altura se podem instalar em muito poucos anos. Em consequência, qualquer vegetação autóctone que já existisse, mas provavelmente fragilizada por um incêndio que tenha estado na origem da germinação das mimosas, é facilmente eliminada pelo seu avassalador poder de colonização. E, se bem que cresçam melhor em solos profundos, nem mesmo escarpas e encostas rochosas escapam à sua presença.

Assim aconteceu que, em poucas décadas, as mimosas ocuparam agressivamente não apenas as margens dos principais cursos de água e encostas adjacentes, mas também muitos vales onde a água corre apenas ocasionalmente. Em Belazaima, por exemplo, apenas se salvaram as margens ao longo das terras agrícolas em torno da aldeia. E, se sairmos da pequena bacia do Ribeiro de Belazaima para os principais rios da região – o Águeda, o Alfusqueiro, o Agadão, mesmo o Vouga – ficamos positivamente impressionados pelo estado lamentável em que se encontram as suas margens ao longo de dezenas de quilómetros.

Esta imagem, do Rio Mondego entre Carregal do Sal e Fiais da Beira, é uma dramática expressão do estado da vegetação que acompanha um dos principais cursos de água portugueses
Um troço do Rio Alfusqueiro completamente invadido por mimosas
Numa foto do início de 2015, esta imagem capta o estado da vegetação nas margens do Ribeiro de Belazaima, a jusante do Feridouro, um panorama que entretanto já se conseguiu alterar
A jusante da Ribeira do Tojo estende-se um troço do Ribeiro de Belazaima onde, devido às difíceis condições de acesso, ainda não foi possível intervir de forma efectiva no controlo da densa mancha de mimosas
As mimosas podem gerar manchas densas, mesmo impenetráveis, crescendo vertiginosamente
Densa mancha de mimosas numa zona rochosa das margens do Ribeiro de Belazaima

Uma vez instalado o problema, resolvê-lo não é fácil: para além do banco de sementes, uma formação de mimosas gera uma rede de raízes que ocupam densamente o solo, muitas vezes muito para além da extensão da copa das árvores. Cortadas as árvores, rebentam profusamente as respectivas toiças, mas também se produzem rebentações ao longo de toda a extensão do sistema radicular. A aplicação de herbicida na superfície de corte minimiza a rebentação das toiças, mas, sobretudo no caso de árvores de um certo porte, não evita a rebentação do sistema radicular. O descasque apresenta certa eficácia, mas é trabalhoso e, na prática, só é viável em árvores de diâmetro médio. Qualquer operação de intervenção em mimosas exige seguimento. Sem ele, as formações reconstituem-se e qualquer trabalho se torna inútil.

O descasque é uma das formas de menor impacto de eliminação de mimosas. Mas é trabalhoso, as árvores acabarão por cair no futuro e não é 100% eficaz (algumas árvores rebentam)

Se, em zonas de acesso e trânsito mais fácil, apesar de trabalhoso, ainda se conseguem remover mimosas e promover uma efectiva substituição por vegetação autóctone, em encostas de elevado declive e zonas de difícil acesso isso torna-se muito mais complicado: não só qualquer movimentação é mais exigente como se torna elaborado gerir árvores cortadas. O descasque ou outra forma de desvitalização em pé tornam-se então soluções preferenciais, mas sem esquecer que as árvores, ainda que de forma mais gradual, acabam sempre por cair, dificultando o necessário seguimento.

A segunda espécie invasora em termos de importância à escala local é também uma espécie do género Acacia, a Acacia longifolia, acácia-de-espigas. De porte arbustivo e grande capacidade de propagação, a acácia-de-espigas encontra-se sobretudo implantada nas zonas marginais do Cabeço Santo, tendo também invadido zonas de eucaliptal. Pode dar origem a formações impenetravelmente densas de plantas, onde nada mais tem espaço a ocupar. Pelo menos no Cabeço Santo, o seu impacto é acrescido pelo facto de estar implantada em zonas não exploradas (eucaliptal), concorrendo com as espécies autóctones em locais onde elas foram poupadas pelas actividades humanas.

Acácia-de-espigas ocorrendo densamente na berma de um caminho, uma situação provavelmente originada por trabalhos de manutenção do caminho
Formação de acácia-de-espigas madura numa zona de solo marginal do Cabeço Santo
Zona de vegetação rupícola com ameaçadora formação de acácia-de-espigas em segundo plano
A abundante produção de sementes da acácia-de-espigas, antes da libertação do “trichi”

Embora com menos potencial de rebentação do que a mimosa, a profusão de toiças acaba por originar uma taxa de regeneração significativa após o corte.

Corte de acácias-de-espigas: um trabalho exigente e de resultados incertos

Com elevadíssima produção de sementes que, ano após ano, alimentam um banco de sementes à espera de um próximo incêndio, há pelo menos um desenvolvimento positivo nos últimos anos no que a este aspecto diz respeito: depois de vários anos de estudo e preparação (pelo grupo das invasoras da Universidade de Coimbra), foi libertado o insecto Trichilogaster acaciaelongifoliae (às vezes abreviado por “trichi”), um agente de controlo biológico da Acacia longifolia, um dos tais inimigos naturais que faltam para que um equilíbrio ecológico possa existir. Libertados também alguns exemplares no Cabeço Santo, a espécie parece ter-se implantado bem e os resultados na limitação da produção de sementes da acácia são manifestamente impressionantes, como as imagens demonstram. Claro, não resolve o problema das plantas já instaladas, mas, diminuindo dramaticamente a produção de sementes, permite olhar para o futuro com mais confiança e menos risco, pois haverá muito menos plantas de origem seminal.

A abundante produção de galhas (e ausência de vagens) é (bom) sinal do impacto da presença do “trichi”

Outra acácia que pode ser localmente problemática, mas que não está muito expandida é a Acacia melanoxylon, acácia-austrália, esta, como a mimosa, uma planta de porte arbóreo, mas que pode gerar formações de grande densidade, difíceis de erradicar.

Mancha de Acacia melanoxylon numa encosta íngreme do Vale da Estrela
Eucaliptal invadido por Acacia melanoxylon (CabeçoSanto)

Uma espécie com alguma relevância no Cabeço Santo é a Haquea sericea (háquea-picante), um arbusto espinhoso que foi plantado ao longo dos limites da Mata do Cabeço Santo ainda provavelmente pelo seu primeiro proprietário. Reagindo reactivamente à passagem de um incêndio, as “pinhas” da planta “explodem”, libertando as suas sementes, que se podem espalhar por raios de dezenas de metros, germinando a seguir.

Háquea-picante em flor

O próprio eucalipto pode apresentar comportamento invasor na sequência de um incêndio, e, se o fenómeno não é mais expressivo, é provavelmente porque a maior parte dos eucaliptos das plantações não produzem sementes.

Na sequência do incêndio de 2005, extensas áreas foram afectadas pela ocorrência de eucaliptos de origem seminal, começando pelos próprios eucaliptais. Aparecendo com densidades de muitas plantas – dezenas – por metro quadrado, esses eucaliptos surgiram sobretudo em solos pouco perturbados, e, embora na altura fáceis de arrancar, a extensão da sua ocorrência acabou por ditar que muitos deles ficassem, aumentando a densidade das plantações originais.

Eucaliptos de origem seminal numa área plantada, em 2006
Voluntários arrancam eucaliptos de origem seminal numa mancha de medronhal do Cabeço Santo em 2006

A ocorrência de eucaliptos de origem seminal esteve na origem da degradação das testadas de protecção das terras agrícolas, zonas de encosta adjacentes às terras cultivadas, que nas primeiras décadas do eucaliptal se constituíram como interessantes redutos de vegetação autóctone. No entanto, os sucessivos incêndios deram origem à germinação de eucaliptos cujas sementes provieram de plantações adjacentes, e que, com os anos, acabaram por dominar a composição dessas áreas, ainda que a vegetação autóctone não tivesse sido completamente excluída. Por isso, a recuperação destas áreas é prioritária.

A zona inferior desta encosta, na Lavandeira (Belazaima) já foi dominada por vegetação autóctone, mas com o tempo e os incêndios, foi invadida por eucaliptos, como ainda acontece na área à esquerda. Na restante, os eucaliptos já foram removidos e a vegetação autóctone encontra-se em início de recuperação.

O trabalho de controlo de invasoras é um trabalho sem fim (à escala das nossas vidas) e nem mesmo o relativo sucesso da sua exclusão de significativas extensões mais acessíveis das margens do ribeiro nos deixa dormir descansados.

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