Não posso deixar de comentar um escrito saído no Facebook, da autoria de Nelson Peralta, do Bloco de Esquerda, já que sou, de alguma forma, e como responsável primeiro pelo Projecto Cabeço Santo (PCS), visado por esse escrito, e sem desconsideração pelo que já escreveram em resposta amigos como o João Paulo.
- Parceria com a Altri: no meu ponto de vista, existe “greenwashing” quando uma empresa paga ou promove um grupo ambiental para que este omita aspectos negativos da acção da empresa ou mesmo a promova positivamente. Nada disto acontece no contexto desta parceria, que tem como objectivo uma acção conjunta para a melhoria das condições ecológicas de uma área que é propriedade da empresa. Nem devido a esta parceria, que é local, a Quercus em determinados momentos deixou de se manifestar criticamente em relação à Altri quando tal se justificou.
- Participação da Juventude Popular: de forma idêntica, o que os participantes deste partido quiseram demonstrar a si próprios ou aos outros com a sua participação é algo da sua inteira conta. Seria por certo “greenwashing” se o partido tivesse vindo ter connosco e tivesse dito: “olhem, nós mandamos uma numerosa equipa de voluntários e vocês vão dizer que o partido tem méritos neste domínio”. Nada disto por certo aconteceu.
- É um pouco irritante serem-nos atribuídas coisas que nós não dissemos. Eu nunca disse que o PCS era (para mim) uma “viagem espiritual”. As palavras e sua relação com o PCS aparecem no título de uma entrevista concedida ao UA online, mas esse título, tal como a introdução à entrevista, foram da responsabilidade do editor da mesma. Não estou a dizer que estivesse mal, foi uma interpretação possível e baseada no teor da entrevista. Mas dizer-se que “O projeto Cabeço Santo, de acordo com o seu fundador, é uma “viagem espiritual”” é uma interpretação de uma interpretação, o que a coloca muito perto de uma adulteração.
- Talvez o PCS não seja de facto um projecto replicável na sociedade mais larga. Por várias razões que, detalhadas, levar-nos-iam por certo para muito longe do próprio PCS. Mas se não é replicável, não é por razões intrínsecas ao projecto e à sua intervenção. É porque não existe vontade suficiente na sociedade, e portanto nos seus governantes, que são dessa sociedade um reflexo. E não existe vontade porque não existe uma consciência suficientemente esclarecida da relevância e da importância dos propósitos que são os do projecto. E a falta dessa consciência decorre da dinâmica civilizacional que aqui nos trouxe. É tão inviável a replicação do PCS a uma escala mais larga como o é a implementação da tal “economia diferente” de que fala o Nelson Peralta. Porque para haver essa “economia diferente” era preciso haver pessoas diferentes, com motivações e vontades diferentes. Claro que as motivações e as vontades vão mudando à medida que a civilização avança. Como fazemos para que mudem num sentido positivo? “Lutando”, ou fazendo coisas inspiradoras, que podem não ser directamente replicáveis, mas que são fonte de inspiração, que são “sementes” para “germinarem” quando a sociedade estiver mais desperta? Eu vou mais pela segunda.
- Se a opção é a “luta” e o alvo dessa luta são as indústrias de celulose, penso com efeito que são os alvos errados. Não porque ache que as ditas empresas fazem tudo bem nem por ter uma como parceira do PCS. Mas porque as empresas, como os governos, são emanações da sociedade. E o que fazem é o que a sociedade lhes permite fazer. O poder que têm sobre a sociedade é o poder que esta lhes permite ter.
- Isto não quer dizer que não afirmemos as nossas convicções, se necessário confrontando interlocutores, embora sempre mantendo elevado o nível da comunicação. Por exemplo, quando, em resposta a uma interpelação do entrevistador do jornal Público, segundo o qual o eucaliptal “faz menos biodiversidade”, o CEO da Navigator dá esta resposta inacreditável: “Não. Não existem factos nenhuns do meu conhecimento científico, e como viu há 50 académicos e cientistas a assinar o nosso texto, do ISA ou da UTAD, gente que estuda este tipo temas, e não há nada que indique isso”, tal declaração, que contraria até o mais elementar senso comum, só pode merecer a objecção de todos nós e desses mesmos 50 académicos e cientistas, que, não o fazendo, ou não são competentes sobre o assunto, ou dão razão a quem os acusa de parcialidade. A meu ver, a principal crítica que se pode fazer ao documento citado (Manifesto por uma floresta não discriminada) não é a de dizer inverdades, mas a de omitir verdades, ou seja, de tirar conclusões pretensamente gerais a partir de verdades parciais. Eu não o subscreveria. Surpreende-me que tenha sido assinado por 50 académicos e cientistas? Não, porque a Academia é cada vez mais um lugar em que mais especialistas sabem cada vez mais de uma porção menor da realidade, perdendo de vista o todo. Assemelham-se perigosamente àqueles sombrios e sisudos académicos da Werther Academy, na deliciosa animação de Mark Osborne inspirada na obra de Saint Exupery “O Principezinho”. E as suas academias parece-se demasiado com a própria Werther Academy! Por outro lado, os académicos que mais próximos poderiam estar dessa visão holística da realidade, os ecologistas (refiro-me aos cientistas, não aos políticos) , os das disciplinas humanísticas, estão ausentes da lista de subscritores do “Manifesto”.
- Na minha perspectiva, o conceito de “ecossistema cultural” é útil para avaliar a qualidade de uma cultura implantada pelo homem na natureza. Um ecossistema cultural é uma criação humana inspirada na natureza, mas que conserva muitas das suas características: diversidade, interdependência, complexidade, equilíbrio, beleza, saúde, resiliência, adaptabilidade… Quanto mais uma cultura se afasta de um “ecossistema cultural”, maior é o seu impacto na natureza, maiores são os riscos que lhe estão associados e maior é a necessidade de ser “compensada” com a presença de ecossistemas espontâneos. Sem pretender que essa compensação seja uma “solução final” adequada. Não, o ideal era que todas as culturas se aproximassem o mais possível de ecossistemas culturais. Não sendo possível (de momento), há que estabelecer a compensação, o compromisso. O PCS procura ir por aí, mas integra-se num contexto mais alargado em que não se procura apenas isso.
Como vê, Nelson Peralta, talvez até nem estejamos em demasiado desacordo. Talvez a principal diferença mesmo seja de abordagem, de caminho. Não penso gastar demasiadas energias em criticar os seus. Mas não podia deixar de lhe responder, mesmo sem a urgência que estas ferramentas como o Facebook suscitam. O meu ritmo não é o do Facebook, por isso o mantenho a certa distância. E também por isso aqui fica o meu comentário, em primeiro lugar no blogue do Cabeço Santo, em segundo no Facebook!
Olhe, e que tal aparecer no Cabeço Santo com uma equipa de voluntários do Bloco de Esquerda? Como já ficou escrito num artigo anterior, estamos disponíveis para receber grupos de todos os partidos, e o contacto directo e vivo com a realidade vale sempre mais do que mil palavras.
Paulo Domingues
Muito bem, Paulo! Beijinho.
Excelente resposta Paulo. Felizmente, o PCS e a parceria com a Altri é suficiente sólido para não ser beliscado por (mais) um comentário deste gênero.
Já lá vão mais de 10 anos que a Altri apoia e colabora com o PCS e espero que ainda venham muitos mais.
O próximo passo da nossa parte será a inauguração da Estação de Biodiversidade!
Abraço, Henk Feith
Mais uma vez, um excelente texto Paulo.
É sempre inspirador ler o que escreves. Só lamento o meu crónico pessimismo, que me leva a duvidar que a sociedade venha a caminhar para um “ecossistema cultural”.
Mas como tu dizes, é preciso dar o corpo ao manifesto.
Abraço