Intermezzo

A jornada prevista para 25 de Outubro e depois adiada para 1 de Novembro teve afinal de ser cancelada. Foi pena, porque acabou por estar um excelente dia, ao contrário do que as previsões anunciavam. E até havia voluntários disponíveis… Mas um par de sociedades secretas conspirou, e desta vez levou a melhor…
Para compensar aproveita-se o interregno para falar sobre coisas importantes.
Primeira coisa:
Um amigo fez-nos chegar informação sobre uma associação que está a praticar a técnica das bolas de sementes na recuperação de áreas ardidas. Esta técnica é oriunda do movimento de agricultura natural, uma abordagem criada pelo japonês Masanobu Fukuoka. De um ponto de vista “filosófico”, as ideias de Fukuoka são fascinantes, e o seu livro mais conhecido – The One-Straw Revolution – que existe em tradução portuguesa – A Revolução de uma Palha (Editor Via Optima)– é de leitura obrigatória, embora seja o próprio Fukuoka a avisar quanto à dificuldade de por as suas ideias em prática, sobretudo se retiradas do seu contexto. Ora a técnica das bolas de sementes foi já usada no Cabeço Santo quando o projecto estava no seu início, na altura aplicada a bolotas de carvalho-roble. Mas a leitura que se pôde fazer dos seus resultados não foi positiva, o que na altura foi atribuído ao facto de se tratar de sementes “recalcitrantes” (perecíveis com a secagem), talvez menos susceptíveis de serem compatíveis com a referida técnica. Outra explicação era as abundantes chuvas de Inverno removerem a protecção das sementes, deixando-as sem bola… No entanto não pretendemos ter uma prova “científica” destas interpretações. Se há demonstrações de sucesso, há que averiguar, pois todas as abordagens que favoreçam a implantação espontânea das plantas são de acolher. Por isso aqui ficam links para a organização e para uma acção marcada par 7 de Dezembro na Serra da Freita: http://www.movimentoterraqueimada.com e https://www.facebook.com/events/1509688079279930/?notif_t=plan_user_joined
Esta via de intervenção também chega num momento em que ainda se vive o rescaldo dos grandes incêndios na Serra do Caramulo de 2013 e em que se reflecte sobre formas de promover a recuperação das áreas ardidas. Ainda há pouco estivemos numa visita de campo promovida pela Associação de Apicultores da Serra do Caramulo onde se teve a oportunidade de observar impactos e desafios. Quem sabe, a técnica das bolas de sementes possa ter aqui um papel?
Segunda coisa:
Já que não houve jornada voluntária para reportar, aproveita-se para partilhar com os interessados uma visita ao apiário do Cabeço Santo, em que se realizou uma verificação cuidada de todos os quadros de cada colmeia. Assim, deixa-se aqui uma “visita guiada” a uma das colmeias lusitanas cujo enxame foi instalado em Junho último. Talvez achassem mais interessante uma visita guiada à colmeia hTBH, a vivenda das colmeias, mas para isso era preciso estarem duas pessoas no apiário, o que não foi o caso. A colmeia apresentada é a mais forte das 4 lusitanas instaladas.
Quadro nº 1:

Quadro nº 1
Quadro nº 1

Reservas de mel em células operculadas na parte superior, e não operculadas mais abaixo. Na zona inferior, células vazias. À direita, alguma criação de zangão. Este quadro apresenta uma invulgar forma recortada.
Quadro nº 2:

Quadro nº 2
Quadro nº 2

Reservas de mel em células operculadas na parte superior e extensa zona de criação (operculada) de obreiras na parte inferior.

Quadro nº 3:

Quadro nº 3
Quadro nº 3
Detalhe do quadro nº 3
Detalhe do quadro nº 3

Idêntico ao nº 2 mas com menos criação operculada. Observando mais de perto as células abertas, verifica-se que algumas têm postura e outras criação não operculada. Recorda-se que, após a postura, a larva nasce ao fim de 3 dias, permanecendo a célula aberta até ao nono dia. Depois é fechada (operculada) aí se dando a transformação da larva em abelha, que sai (“nasce” pela 2ªvez!) 21 dias depois da postura.
Quadro nº 4:

Quadro nº 4
Quadro nº 4
Detalhe do quadro nº 4
Detalhe do quadro nº 4

Idêntico ao nº 3, com reservas de mel, criação operculada e não operculada. Também se observam algumas reservas de pólen (no detalhe, canto superior esquerdo). O pólen constitui a parte proteica da alimentação das abelhas, e é armazenado nas células na forma de uma pasta compacta com adição de mel, produzindo-se um processo de fermentação que melhora a sua conservação.
Quadro nº 5:

Quadro nº 5
Quadro nº 5

Essencialmente reservas de mel, operculado e sobretudo não operculado. O mel não operculado está ainda em formação pelas abelhas, que o vão progressivamente apurando a partir do néctar das flores e das secreções de certas árvores. Esse apuramento traduz-se sobretudo na “digestão” do nectar produzida pela abelha e no abaixamento do teor de água. Este quadro é o único que originalmente tinha uma folha completa de cera moldada e arames de fixação.
Quadro nº 6:

Quadro nº 6
Quadro nº 6
Detalhe do quadro nº 6
Detalhe do quadro nº 6

Também reservas de mel e pólen (bem visível no detalhe), num favo que ainda apresenta a forma natural de as abelhas construírem os favos, e que nos anteriores (excepto o 5) já não se apresenta por todo o espaço do quadro já ter sido aproveitado.
Quadro nº 7:

Quadro nº 7
Quadro nº 7

Algum mel não operculado, num favo ainda pouco construído.

Quadro nº 8:

Quadro nº 8
Quadro nº 8

Favo ainda no seu início de construção, sem qualquer conteúdo. A tira superior de cera moldada, de que ainda se observa parte, foi a única cera moldada incluída (excepto quadro nº 5) apenas a fim de “orientar” a construção dos favos. Sem a presença destes guias, os diferentes favos são frequentemente ligados uns aos outros, tornando impossível o maneio.
Os restantes dois quadros da colmeia ainda não tinham sido trabalhados. O que significa que as abelhas “optaram” por construir a partir de uma extremidade da colmeia, usando o quadro nº 5 como “parede”. Não foi para isso que ele lá foi colocado, foi para elas começarem por aí, uma vez que já tinham meio caminho andado. Mas as abelhas não quiseram saber da lógica humana e fizeram como bem entenderam. E ainda bem. Foi exactamente para dar mais “liberdade” às abelhas que não se colocou cera moldada.
De notar que em países ou regiões mais frias, nesta altura já não haveria criação e ainda menos postura. Mas aqui, com um Outono ameno, ainda que chuvoso, e com flores melíferas quase todo o ano (mal acabou a floração Outono da Calluna vulgaris, uma urze, já temos aí o medronheiro em plena floração, observando-se também já eucaliptos em flor, embora o regime de produção da espécie e a herança do incêndio de 2005 limitem muito a real disponibilidade de flores desta espécie nesta área), a criação prolonga-se por quase todo o ano. Curiosa é a também a presença de um pequeno núcleo de criação de zangão, que normalmente ocorre mais perto da Primavera.
Quanto às jornadas voluntárias, elas continuam já no próximo dia 22, o dia anterior ao Dia da Floresta Autóctone, e que será simbolicamente (e realmente) dedicado à plantação de árvores e arbustos. Oxalá o tempo ajude, neste chuvoso Outono. Inscrições abertas!

Paulo Domingues

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