Dia da Floresta Autóctone: a jornada

A ansiada jornada para plantação de árvores prevista para o dia 22 de Novembro sobreviveu a um período de incerteza quando, na véspera, as previsões de chuva pareceram querer ensombrar as expectativas para este dia. Mas, analisada a previsão com mais detalhe, que apontava para chuva apenas à tarde, a equipa voluntária ousou manter o programa, nem que fosse para cumprir só de manhã. E assim, com 48 medronheiros, 20 adernos e 40 sobreiros na bagagem, pôs-se a caminho do Cabeço Santo. Mas mal tinha arrancado… começou a chover! Bem, era uma chuva leve, mas desafiante: “será que se vão sentir intimidados e vão desistir”?! Mas a viagem continuou.

1ª etapa: zona da Ribeira do Tojo, junto ao Ribeiro, num espaço onde existia um mimosal, cortado em Julho último por uma equipa da AFBV (https://ecosanto.wordpress.com/2014/08/13/remocao-e-aproveitamento-de-uma-mancha-de-mimosas/). Recorde-se que este corte deu origem a um monte de ramada triturada. Mas antes de começar, a equipa deu uma vista de olhos a um núcleo de medronheiros plantados ali ao lado no último Inverno, núcleo que apresentava o interesse especial de se encontrar num solo com características idênticas ao que se esperava encontrar hoje: seco, pedregoso e com muitas raízes de mimosa. Mas o estado desses medronheiros surpreendeu pela positiva: estavam bonitos e viçosos. Um deles, caso nunca visto, tinha a bonita quantidade de 6 ou 7 lagartas-do-medronheiro (Charaxes jasius), bem distribuídas pelas suas folhas. Mas nem por isso pareciam estar demasiado comidas. Outra coisa surpreendeu os voluntários, agora pela negativa: havia já mimosas por todo a área plantada, algumas com 3 a 4 metros de altura, apesar de na altura da plantação todas terem sido cortadas ou arrancadas! A maioria destas mimosas era proveniente de rebentamentos de raízes e ilustra bem os desafios do controlo desta espécie invasora numa área extensa e acidentada. A equipa não resistiu: tinha que fazer aqui 10 ou 15 minutos de trabalho de arranque de mimosas!

Medronheiro plantado no Inverno de 2014, com cobertura de ramada de mimosa
Medronheiro plantado no Inverno de 2014, com cobertura de ramada de mimosa
Lagarta-do-medronheiro
Lagarta-do-medronheiro
Contamos pelo menos 6. Ou serão 7?
Contamos pelo menos 6. Ou serão 7?
"Aquecimento" a arrancar mimosas
“Aquecimento” a arrancar mimosas
Estas mimosas têm menos de um ano. Acreditam?
Estas mimosas têm menos de um ano. Acreditam?

Feito o “aquecimento”, o resto da manhã foi passado a plantar medronheiros e sobreiros. Não foi, já se sabia, um trabalho fácil: o solo era pedregoso, embora o terreno não fosse muito inclinado. Mas o mais difícil de tudo foram as raízes de mimosa: formam uma malha de tal maneira densa e resistente que mesmo uma boa picareta tem dificuldade em penetrar. Mas isso já era esperado. O que não era esperado era que a chuva fosse caindo, sempre leve mas com muitos “para e volta”, ao longo de toda a manhã. Isso enlameou muito as ferramentas e as luvas, mas não “desarmou” a equipa, que só teve de vestir e despir os impermeáveis inúmeras vezes!

As raízes de mimosa foram um grande obstáculo
As raízes de mimosa foram um grande obstáculo
A chuva não ajudou, e a muita madeira queimada em 2005 também não
A chuva não ajudou, e a muita madeira queimada em 2005 também não

Quando todo o espaço disponível estava plantado, utilizou-se o recurso ali disponível, a ramada triturada, para fazer a cobertura do solo em torno de cada árvore plantada. Num dos montes observou-se um interessante fungo de cor branca, cumprindo a sua função decompositora. Aliás, esta parte final da manhã foi fértil na observação de plantas saprófitas: num dado momento, alguém anunciou com surpresa: “um ovo de dinossauro”! O exemplar estava semi-enterrado e tinha uma superfície vidrada e parecida com a de um ovo de casca fina. E era mole, logo não podia ser de dinossauro! Chamado o nosso biólogo de serviço, logo o espécime foi identificado como um cogumelo, mas um com um caule tão frágil, que não se podia erguer acima da superfície da terra. E de facto era tão frágil que, ao ser investigado mais em detalhe, logo se soltou do seu caule. Por dentro, tinha uma camada grossa de uma consistência gelatinosa, mas ao que parece, não comestível. É fascinante como uma paisagem que sofreu um processo de degradação tão intenso, ainda (ou já!) nos pode surpreender com coisas que nunca tínhamos tido a oportunidade de encontrar por aqui!

Monte de ramada triturada
Monte de ramada de mimosa triturada
Distribuição da ramada triturada pelas árvores plantadas
Distribuição da ramada triturada pelas árvores plantadas
Medronheiro com uma "cama" de ramada triturada
Medronheiro com uma “cama” de ramada triturada
Fungo encontrado num monte de ramada triturada
Fungo encontrado num monte de ramada triturada
Cogumelo mistério
Cogumelo mistério (Clathrus ruber?)
Arrancou-se com facilidade do seu caule (infelizmente)
Arrancou-se com facilidade do seu caule (infelizmente)
Outros cogumelos observados
Outros cogumelos observados

Era quase hora do almoço quando a equipa subiu o monte para plantar numa área lá bem em cima, a cerca de 400 m de altitude, na cabeceira do vale nº 2. O almoço teve a particularidade de ser à chuva, mas suficientemente leve para não transformar o pão em papa. Até parecia querer começar a aumentar de intensidade, de acordo com as previsões. Mas eis que, de repente, parou, e houve até um momento em que o sol fez uma fugaz aparição. A neblina começou então a subir o monte, e o horizonta das terras litorais tornou-se mais claro. Era bonito, mas… era tempo de voltar ao trabalho.

A neblina em movimento ascendente
A neblina em movimento ascendente

A área em questão, na cabeceira do vale nº 2, já tinha sido plantada com medronheiros no passado e ainda está algo invadida com acácia-de-espigas, mas já nada que assuste muito, comparado com o que já foi. Agora é o matagal de urzes, tojos, carqueja e gramíneas que domina este espaço, sendo por vezes quase impenetrável. Claro, para plantar aqui árvores uma operação é essencial: triturar o matagal com uma moto-roçadora. Não só para abrir espaços de plantação, mas também para criar trilhos de penetração. Por isso, a máquina foi uma desagradável mas necessária companhia a partir daqui. Mas houve mais companhias não propriamente agradáveis: uns mosquitos muito pequenos mas em grande número apareceram a rondar as cabeças dos voluntários, parecendo querer entrar em cada ponto do corpo mais vulnerável: olhos, boca, nariz… Lá em baixo, no vale, pareciam não estar presentes, mas aqui não deram descanso. E quando se parava um pouco para descansar, ainda era pior: gastavam-se mais energias a afastar os mosquitos do que a plantar árvores! Assim a plantação de adernos e medronheiros decorreu a bom ritmo, mas depois chegou-se a uma área muito pedregosa e decidiu-se mudar para outra área. Havemos de voltar aqui em breve para cortar acácia-de-espigas.

A plantação avançava com determinação. Lá ao fundo, a aldeia de Belazaima
A plantação avançava com determinação. Lá ao fundo, a aldeia de Belazaima
Plantando adernos entre medronheiros (amigos) e acácias-de-espigas ("inimigas")
Plantando adernos entre medronheiros (amigos) e acácias-de-espigas (“inimigas”)
Medronheiro plantado
Medronheiro plantado

No caminho para a outra área fez-se uma paragem para colher medronhos. Pois não pensem que nestas jornadas só se trabalha. E agora o tempo foi de apreciar os sabores.

Pausa para colher e saborear medronhos
Pausa para colher e saborear medronhos
Saborosos, não?
Saborosos, não?

A última área de plantação deste dia foi numa encosta do vale nº 7, não longe da Casa de Santa Margarida. Esta extensa encosta foi inicialmente desbravada em 2009, quando tinha uma densa cobertura de mimosas e eucaliptos. Depois recebeu uma plantação de medronheiros, realizada por um profissional. Esses medronheiros já chamam a atenção bem como as muitas mimosas que ainda se distribuem pelo terreno, mas já nada comparado com o estado inicial. Ainda há muito espaço para densificação e as características do terreno admitem, em princípio, espécies mais exigentes em solo como sobreiros e carvalhos. Por isso pareceu apropriado vir aqui plantar as últimas árvores da jornada, sobretudo sobreiros e alguns adernos que ainda restavam. Claro, também aqui foi necessário desbravar matagal, e também aqui os mosquitos fizeram o seu “trabalho”. Quando, já o dia se desvanecia e a equipa se reuniu para tirar a foto de despedida, um voluntário apresentava-se com um olho vermelho, e outros apresentavam outros sintomas esquisitos, como a foto é capaz de denunciar. Mas apesar disso e de todas as outras dificuldades do dia, estavam felizes: tinham plantado quase 80 árvores e arbustos e dado mais uma pequena (para o planeta) e grande (para as suas possibilidades) contribuição para a melhoria da paisagem e da biodiversidade deste local.

Encosta do vale nº 7
Encosta do vale nº 7
Foto de despedida
Foto de despedida

Até 13 de Dezembro, para a próxima jornada voluntária no Cabeço Santo! Nota: Não se prevê, para essa altura, a ocorrência de mosquitos!

3 Replies to “Dia da Floresta Autóctone: a jornada”

  1. Excelente reportagem.. isto foi uma jornada para gente dura! Parabéns a todos!!! Dia 13 tenho novamente Assembleia Geral em Lisboa, mas talvez consiga escapar, se nestas 3 semanas a coisa for bem preparada.

    No dia 24 de novembro de 2014 às 13:10, “Recuperação ecológica do Cabeço

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