Hoje, 18 de Setembro de 2008, faz 3 anos que o incêndio de 2005 atingiu o Cabeço Santo, o que depois viria a determinar o surgimento e o curso deste projecto. Esse evento deu origem a acções que alteraram para sempre (pelo menos no horizonte das nossas vidas) a face do Cabeço, e que nos mostram quão vulnerável é a vida que se desenrola nesta fina coroa esférica à superfície da Terra, face a um imenso poder de intervenção da espécie humana, nem sempre moderado pela sabedoria, pelo conhecimento, pela sensibilidade…
Este projecto propôs-se funcionar como um “contrapeso” relevante à principal actividade humana que modela esta paisagem: o cultivo de eucaliptos. Actividade que, desde o seu início e hoje de forma ainda mais evidente, se torna incompatível com a preservação dos ecossistemas nativos, das espécies, da paisagem. Quando, em meados do sec XX, essa espécie começou a ser plantada em larga escala, as intervenções sobre o solo foram frequentemente superficiais, embora já então as plantações tivessem sido abrangentes, sem deixar espaço para as formações nativas, mesmo nos habitats mais sensíveis. Foi também o momento da introdução de espécies invasoras, cuja distribuição se foi extendendo ao longo dos anos e agora tanto nos preocupa. Agora, no início do sec XXI, as intervenções sobre a estrutura do solo são mais profundas e frequentes, realizando-se não apenas na altura da plantação mas ao longo do crescimento das árvores; estas próprias são de forma crescente de propagação vegetativa, com o objectivo de obter plantas geneticamente iguais com elevadas taxas de crescimento; associado a este facto encontra-se o uso de adubos quimicos e é também crescente o uso de herbicida sobre o matagal, como forma de evitar as mais custosas operações mecanizadas. Se estas “tendências” não forem contrabalançadas com um “ordenamento” das plantações de forma a dar espaço aos ecossistemas nativos, ainda que muito fragmentados e reduzidos na sua extensão, então não parece haver dúvidas de que a sociedade do século XXI falhará na sua intenção de suster e inverter a perda de biodiversidade. Ou será que é possível manter a biodiversidade apenas nas áreas protegidas? E mesmo nestas estamos a consegui-lo? E será isso que nós, cidadãos que vivemos fora delas, queremos? E não estaremos a ser (tentativamente) mentalizados para não pensar nisso, ou para ser insensíveis a isso?
Mas, após esta pequena reflexão em memória de uma data que foi marcante para esta paisagem mas que não foi mais trágica do que o somatório de todas as agressões a que foi sujeita ao longo dos anos, e dos séculos, há que voltar ao que é possível fazer por ela, e não apenas por ela, mas por todos aqueles que com ela se possam maravilhar, que com ela possam vibrar, porque isso é um dos melhores alimentos para a alma.
Comecemos por fazer uma avaliação das primeiras pulverizações com herbicida. O objectivo é, evidentemente, tentar eliminar as plantas de eucalipto e mimosa com o mínimo de dano sobre as plantas nativas. Os primeiros resultados são encorajadores, e asseguro que as imagens escolhidas para o ilustrar não são os melhores casos, mas a regra: em geral, o dano sobre os arbustos nativos foi mínimo, e o pior que foi possível encontrar foram algumas folhas secas em alguns arbustos nativos. Ao nível do matagal lenhoso, os danos foram maiores, mas estas plantas têm uma capacidade de recuperação mais elevada.




Mas neste dia havia muito mais para ver e sentir do que os resultados das pulverizações. É que o Outono anunciava-se já: as correntes de água temporárias começavam a despertar, os frutos a amadurecer, as flores de Outono a aparecer… Uma que agora se começa a ver por todo o lado – de facto é a única época do ano em que chama a atenção – é a humilde Calluna vulgaris (torga), a única urze de marcada floração outonal. É uma das urzes mais adaptáveis e menos exigente, e contudo de uma abundância de floração que desafia qualquer membro do reino vegetal. Aqui fica uma em flor, num bonito canteiro natural.

Uma das flores que mais abundava nas áreas mais bem conservadas era a campainha-de-outono, essa flor minúscula que há 3 anos foi uma das primeiras a romper através das cinzas e a trazer vida ao monte (tomo a liberdade de recuperar aqui este “artigo” que não chegou a sê-lo; nem sei sei se já perdoei a um certo jornal aguedense o facto de não o ter publicado). Agora salpica de branco a vegetação herbácea que se encontra nesta altura seca após ter completado o seu ciclo anual de vida. Estas imagens foram obtidas já pelas 19 horas, e é curioso que, apesar de o sol ainda incidir sobre as flores, estas já estavam a fechar, como é próprio das campainhas. Será que têm relógio?!… Outra flor minúscula, que também apareceu escassas semanas após o incêndio de 2005, foi aquela que se ilustra a seguir e que não sei nomear (botânicos, ajudem!…), mas que não precisa de nome para ser apreciada. Ainda a cebola-albarrã, com as suas preciosas flores em ramalhete.





Estas fotos foram tiradas numa área, já perto do terreno da Quercus, mas ainda na propriedade da Silvicaima, onde no ano passado se realizou um esforço decisivo de remoção das plantas de acácia-de-folhas-longas (Acacia longifolia). Esse esforço foi largamente bem sucedido, mas não foi definitivo. Pontualmente ainda ocorrem pequenas manchas e indivíduos isolados desta planta. Um excelente trabalho para uma equipa de voluntários…

Também alguns frutos se econtravam já em fase adiantada de amadurecimento. Do lentisco colhi mesmo os primeiros para extracção de sementes. Muito perto do terreno da Quercus encontrei uma planta desta espécie com uma incrível carga de frutos. Não se encontrava muito acessível, e de facto fotografá-la valeu-me uma longa arranhadela numa perna, originada por uma silva. Mas digam lá que não valeu a pena?



Frutos ainda verdes eram os da murta e os de medronheiro, que apenas amadurecem no final do Outono. Ainda não são muitos os medronheiros a frutificar, mas a foto aqui incluída é de uma pequena planta que cresce sobre a fenda de uma rocha… Ufa! Que lição de frugalidade! Outra é a de um carvalho, junto ao vale 5, que embora bastante danificado pelo incêndio de 2005, conseguiu recuperar a parte aérea, e já tem este ano uma produção de bolota. Julgo que será o único em toda a área de intervenção do projecto!


Os trabalhos continuam. Até breve!
Paulo Domingues
Cinco estrelas. Obrigado.
Manuel Jesus
Viva! Parabéns pelo artigo! Eu parece-me que a foto legendada como “Abrótea-de-verão” é antes uma Cebola Albarrã (Urginea marítima). E esta última é venenosa, enquanto a primeira é comestível, pelo que, para quem anda na net a tentar identificar plantas, pode ser levado por engano.
Abraços
Bruno
Caro amigo, obrigado pelo comentário e pela correcção. Entretanto, mais de 5 anos depois, a planta que refere já é identificada correctamente quando aparece, e é verdade: é a cebola-albarrã ou cebola-do-mar. Para não continuar a induzir em erro, vou corrigir este artigo, apesar de tanto tempo depois. Uma saudação, Paulo Domingues