Depois de um período sem notícias nestas páginas, a pergunta coloca-se: o que tem sido feito das jornadas voluntárias de Primavera? A resposta é talvez evidente, e, ainda que possa ser um pouco incómoda, deve ser reconhecida: não se têm realizado jornadas porque não tem havido voluntários disponíveis. Claro que isso deve ser motivo de reflexão para todos os que se têm congregado para fazer os trabalhos que nos ocupam andarem para a frente: é ainda o cansaço da pandemia? A guerra, ainda que num cenário distante? O relacionado aumento dos custos de deslocação? Chegámos ao fim de um ciclo? Por onde seguir então?
Contudo, paradoxalmente, a paisagem que nos rodeia “grita” cada vez mais por ajuda, ainda que seja um “grito” silencioso, e por isso requeira uma classe de sentidos que, também paradoxalmente, parecem estar cada vez menos despertos. Nos últimos meses centenas, provavelmente mais de mil pessoas, fruíram desta paisagem. Quantas “ouviram” esse “grito” silencioso? Quantas ficaram tocadas por ele e fizeram algo de positivo em consequência? Dessas centenas a maior parte fruiu sem causar grandes impactos directos, e isso é positivo, mas uma minoria fruiu de forma grosseira, mesmo grotesca. Gente jovem, que, no momento de receber uma paisagem dilacerada, ao invés de nela colocar as suas mãos cuidadoras, está mais perto de lhe passar por cima com um bulldozer. Gigantesco falhanço de uma cultura, de um sistema educativo e formativo! Gigantesco falhanço de uma sociedade que cria um monstro, e que, em vez de ensinar os seus membros a reconhecê-lo e a progressivamente diminuí-lo em força e tamanho, os agrilhoa aos seus pés e os faz adorá-lo, se necessário criando uma realidade virtual que, além de esconder o monstro, os distrai a eles com bugigangas e bagatelas! Confesso que fiquei particularmente impressionado, a este respeito, com este artigo do El País. O “monstro”, com efeito, não se encontra só na paisagem, encontra-se também no “ecossistema” tecnológico que permeia cada passo das nossas vidas e que parece querer fazê-lo aos próprios pensamentos.
A Primavera chegou, mas não a todos os recantos. Cada vez mais recantos desta paisagem não conhecem Primaveras porque todas as Estações são iguais, ou talvez já nem Estações existam. A utilização, em exponencial crescente, de herbicidas sobre o matagal dos eucaliptais cria finalmente o “ideal” já há muito anunciado, mas só agora finalmente realizado: o do deserto verde, o de um deserto com árvores, mas árvores tão sós que entre a sua presença e nada quase não faz diferença. Também o “ideal” de uma “floresta” que não arde, simplesmente porque há nada (ou quase nada) para arder. Uma pessoa sem “coração”, ou sem alma, também não sofre porque já não tem com que sofrer… mas também não exulta porque os “órgãos” da alegria e do sofrimento são os mesmos.
Deixo-vos algumas imagens onde a Primavera chegou e não chegou, nem todas do Cabeço Santo, mas todas do Concelho de Águeda. Proponho-vos o fácil “jogo” de descobrir onde chegou e onde não chegou…













Apesar de ainda não se terem realizado jornadas voluntárias de Primavera, os trabalhos mínimos previstos foram realizados, com contribuições não voluntárias e mesmo voluntárias: a plantação de sobreiros e medronheiros na Costa da Malhada fez-se praticamente na sua totalidade e foram dados cuidados às árvores da Ribeira do Tojo que foram afectadas pelo incêndio de 2017.
Também é relevante e positivo referir a realização da Assembleia Geral da Associação Cabeço Santo, na qual integraram a respectiva Direcção novos membros mais disponíveis, mais activos e com novas ideias. Quiçá o que a Associação necessitava para responder à questão acima colocada: que novos caminhos trilhar para corresponder ao que esta paisagem tão desesperadamente necessita? Também será com essa questão em mente que realizaremos a “tradicional” jornada de visita no dia 21 de Maio. Quem quer vir reflectir connosco? Claro, também fruir, mas um fruir em que algo de positivo flua nos dois sentidos: das pessoas para a paisagem e da paisagem para as pessoas. Certo, já sabemos que não é esse espírito que atrairá multidões, mas, qualquer que seja o número de pessoas, seja muito ou seja pouco o seu contributo (e cada um só pode dar o que estiver ao seu alcance), o que é importante é que esse espírito esteja presente e seja solo fértil de onde novos caminhos se possam desenvolver.
Paulo Domingues, voluntário, activista, etc.