Ora finalmente aqui está um artigo sobre os novos desenvolvimentos do projecto que este ano de 2015 estão em curso, com um olhar mais detalhado sobre as novas áreas de intervenção, seu estado e seus desafios. E são volumosos, não tanto pela extensão, mas muito mais pelas características e estado inicial. Para ilustrar, vou usar uma série de fotos que começaram a ser tiradas em Abril, quando se verificou ser possível aqui intervir, tendo de facto alguns trabalhos sido iniciados pouco depois. Por isso, neste momento, em Outubro, muito já aconteceu nessa área, por intervenção de diversas equipas profissionais.
A nova área de intervenção estende-se por cerca de 1,5 km e inicia-se em plena represa, exactamente no ponto onde a corga do ervedal (vale nº 1) desagua no ribeiro. Abrange principalmente a margem norte do Ribeiro, mas em certos troços inclui também a margem sul. Coloca em prática a ideia de “corredor ecológico” em torno de uma área sensível (o ribeiro), sendo por isso uma faixa de largura variável, ao longo da extensão referida. Por facilidade de identificação, tomo o vale nº 1 por ponto de partida (metro 0) e vou apresentando a área pelo número de metros a partir deste ponto inicial. Aqui a área é aproximadamente delimitada pelo antigo caminho de acesso ao Feridouro a partir de Belazaima, mas para montante nem sempre será assim.
Quase toda a área teve até agora eucaliptos, estando também severamente invadida com mimosas. A maior parte desses eucaliptos foi cortada em 2015, chegando à última Primavera em início de rebentação. Um dos primeiros passos no processo de recuperação é a eliminação dessa rebentação, o que, em geral, se tem de fazer por aplicação de herbicida. É uma opção por certo com impacto, mas dificilmente poderíamos avançar sem ela, dada a densidade e a agressividade das exóticas presentes, em conjunto com o declive e as características do terreno. Procura-se minimizar o impacto optando por formulações mais benignas de glifosato (Spasor, Pitón Verde), aplicando essencialmente no Verão e apenas com boas condições atmosféricas.
Do metro 0 ao 150 temos ainda eucaliptos, que serão cortados nos próximos meses, não tendo aqui havido ainda qualquer intervenção. Antes da represa ser construída este troço do ribeiro era muito bonito, com uma pequena “garganta” e estreitas leiras agrícolas na margem norte. A represa, construída nos anos 90, engoliu a garganta e algumas das leiras, deixando outras na sua margem. Como tende a acontecer com todas as barragens, as margens desta represa são zonas de baixa biodiversidade, devido à grande variação do nível das águas ao longo do ano.


Ao metro 150 atravessamos o Vale de Junqueiro, um pequeno vale, ao longo do qual havia pequenas leiras agrícolas. É a partir daqui que os trabalhos já se iniciaram, com o corte do eucaliptal existente. No entanto, devido às dificuldades de acesso, o pouco valor da madeira aí existente e a presença abundante de mimosas, o estado do terreno em Abril era nada bonito de ver e difícil de abordar, mesmo para uma equipa de profissionais como a de sapadores da AFBV, que foi a quem coube a abordagem inicial.

Ao metro 230 o corredor alarga-se e encontramos uma parcela cujo eucaliptal já tinha sido cortado em 2014, sendo a rebentação de mimosa ainda mais abundante do que a de eucalipto. Como já estava muito grande para ser submetida a aplicação de herbicida, estes rebentos tiveram de ser cortados.


Ao metro 350 surge outro pequeno vale, sendo aqui a encosta muito íngreme, quase uma escarpa vertical em alguns sítios. Mas como há rebentos de eucalipto e mimosa por todo o lado, vai ser necessário lá ir, logo veremos como. Lá em baixo, junto ao ribeiro, surge aqui uma antiga terra agrícola de alguma dimensão, numa zona chamada Chousa. Para a criar, o ribeiro deve ter sido “encostado” à vertente sul, hipótese confirmada por vários indícios, o principal dos quais o muro de pedra de vários metros erguido onde talvez o rio outrora passasse. Esta terra já tinha deixado de ser cultivada há bastantes anos, tendo o proprietário aqui plantado choupos e cerejeiras.







Ao metro 490, pela primeira vez, intervimos também na margem sul. Havia aqui uma estreita leira agrícola sem qualquer acesso por terra, apenas se chegando aqui por atravessamento do ribeiro. Chegou a ser plantada com freixos, mas as mimosas levaram a melhor, e agora encontrava-se cheia de grandes mimosas, algumas delas que possivelmente sobreviveram ao fogo de 2005. A encosta norte, por seu lado, torna-se muito íngreme, mas curiosamente havia aqui uma antiga passagem, agora muito obstruída, que ainda havemos de recuperar porque dará um bonito trilho.






Ao metro 590 encontramos uma pequena represa e a encosta íngreme dá lugar a uma antiga leira na margem norte. Agora, é a vez de a encosta sul ser muito escarpada, numa pequena extensão ainda não incluída na área de intervenção mas que ainda se vai tentar incluir. A leira na margem norte estava, é claro, completamente ocupada por mimosas cujo corte começou ainda no Verão, e que se vai prolongar pelo Inverno.


Ao metro 690 temos de novo uma antiga leira agrícola na margem sul, enquanto na margem norte existia um eucaliptal, já plantado de novo depois de 2005, com mobilização do solo em socalcos. Este eucaliptal, cortado pela primeira vez este ano, será descontinuado e reconvertido em bosque autóctone. Na leira da margem sul, e também na margem norte do ribeiro, as mimosas ainda dominam a paisagem, mas encontra-se também um ou outro carvalho grande, que serão a referência desta paisagem por muitos anos quando as mimosas forem retiradas, trabalho que, tudo indica, se vai prolongar até ao Inverno.






Ao metro 780 encontramos um novo pequeno vale (o 1c!), onde praticamente se inicia a principal antiga mancha agrícola do Feridouro. Estas terras, desenvolvendo-se em laboriosos socalcos pela encosta acima, já foram, na sua grande maioria deixadas de cultivar há muito tempo. Muitas foram eucaliptadas. Mas também encontramos outras onde os carvalhos se implantaram espontaneamente, dando origem a manchas muito, muito interessantes. O projecto tem agora a ventura de intervir entre estas manchas e o ribeiro, nas zonas que estiveram eucaliptadas, aumentando e valorizando as primeiras. Mas é aqui também que o recente eucaliptal dará origem a terras agrícolas recuperadas, onde, sob o “chapéu” da Quinta das Tílias, se praticará agricultura e fruticultura biológicas, num conveniente complemento do trabalho do Projecto Cabeço Santo. Para o efeito, os tocos dos eucaliptos já foram arrancados, prosseguindo os trabalhos já a seguir.






E assim chegámos ao vale nº 2, o Vale de São Francisco, que deve o nome ao Padroeiro do Feridouro, cuja antiga capela se encontrava numa encosta próxima deste vale. Já ultrapassámos o metro 1000 e agora as antigas terras agrícolas voltam a ser mais dispersas e as encostas mais inclinadas. Logo a seguir ao vale encontramos um antigo moinho de água ainda recuperável, e há planos para que o seja. Continuamos com uma encosta íngreme, mas a antiga levada que trazia água para o moinho dará, depois de limpa, um excelente trilho pedestre.



Pelo metro 1150 encontramos um pequeno vale, o Vale de Salgueiro, e o ribeiro faz uma curva em S para, ao metro 1300 encontrarmos a represa de onde partia a levada atrás referida. A partir daqui não é possível prosseguir pela margem norte junto ao ribeiro, pois que a encosta se torna inclinada e escarpada.





Pelo metro 1400 começamos a encontrar uma interessante mancha de carvalhal, aquela que em 2005 resistiu heroicamente ao cataclismo de fogo que a envolveu por todos os lados, destacando-se, durante os anos seguintes, enquanto os eucaliptos à volta não cresceram outra vez, como uma ilha verde no meio da paisagem queimada. Parte da mancha situa-se na margem norte, onde o projecto passa agora a intervir, parte na margem sul, onde espera ainda poder intervir num futuro próximo, alargando a mancha pela encosta do Cabeço do Meio acima!


Finalmente, ao metro 1650 chegamos ao Vale de Barrocas, este descendo não do Cabeço Santo mas do Cabeço do Meio, na margem sul, e onde situa uma pequena área onde o projecto começou já a intervir em 2012. Logo ali se inicia, na margem norte, a mata da Altri Florestal, em cuja faixa ribeirinha o projecto iniciou a sua intervenção logo em 2008. Mas por agora ficamos por aqui, que a reportagem era sobre as áreas novas! Mas ainda merece ser referida a intervenção, também iniciada este ano, numa área ao longo do Vale de São Francisco, e que tem por objectivo de médio prazo a completa renaturalização deste vale, pelo menos ao longo de um (mais um!) corredor ecológico. Foi fácil de escrever, mas de facto só o trabalho neste vale, de encostas íngremes e escarpadas, e fortemente invadidas de mimosas, daria só por si um projecto!
Talvez tenha fica claro desta exposição o enorme desafio que será a recuperação desta área. Do muito trabalho profissional e voluntário que nos espera. Poderia dizer-se: é nossa obrigação fazê-lo, nós que praticamente ainda somos da geração que, voluntária ou involuntariamente, tantos estragos causou a esta dilacerada paisagem. Mas eu digo-vos e creio com isto partilhar o sentimento de todos os voluntários que têm estado com o projecto desde 2006: não é por obrigação que o fazemos, mas por amor a esta causa, e, como tudo o que se faz por amor, as dificuldades não causam desânimo, o tempo que leva não importa, o esforço não suscita lamentação, os reveses não arrefecem o entusiasmo. Quem tiver, nem que seja um pequeno fio, de vocação para esta causa (sem pretender, naturalmente, que não existam muitas outras causas nobres merecedoras de serem abraçadas), que apareça, que esse “fio” será “engrossado” e se tornará em corda pela qual esta causa será levada a bom porto, mas também pela qual cada um se poderá elevar acima das pequenas coisas e tornar-se mais Humano.
Paulo Domingues
P.S. Por motivos meteorológicos, ontem não houve jornada. Adiou-se, ainda com a presença prevista dos amigos da Montis, para o segundo Sábado de Novembro.
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