Primavera (ainda) silenciosa, 52 anos depois, em Belazaima

Um dia deste final de Julho fui à área de intervenção ribeirinha a montante do pé-torto, pelo antigo caminho de acesso a Belazaima-a-Velha. A Junta de Freguesia tinha, nos dias anteriores, mandado executar trabalhos de melhoramento do caminho, o que com efeito o tornou mais transitável, após os estragos do último Inverno. Mas não parece ter havido a intenção de o alargar, pelo menos para já. Como os eucaliptos foram em geral plantados até à borda do caminho, a máquina não excedeu esse limite, pois de contrário haveria inúmeros eucaliptos no chão. Mas, ao chegar à área de intervenção do projecto, tudo parece ter sido diferente: num espaço de poucas dezenas de metros vários carvalhos plantados desde 2009 foram literalmente arrancados, tendo quantidades consideráveis de aterro sido lançadas pela encosta abaixo. Pelo menos uma árvore plantada a 5 ou 6 metros do caminho foi tombada pelo aterro, que num ponto chegou mesmo ao leito do ribeiro. Árvores derrubadas e semi-enterradas ficaram ali bem à vista enquanto outras desapareceram literalmente. Uma árvore de rebentação, já com 5 ou 6 metros de altura foi semi-arrancada, tendo ficado ali com parte das raízes expostas. Mais à frente, outras foram danificadas pelo arranque da casca dos ainda pequenos troncos. Outra foi tombada ao lhe ser lançada para cima uma mimosa arrancada.

Árvore de rebentação, com mais de 5 m de altura, deixada com metade das raízes à vista
Árvore de rebentação, com mais de 5 m de altura, deixada com metade das raízes à vista
Árvore (que estava junto ao caminho) derrubada
Árvore (que estava junto ao caminho) derrubada
Árvore (a alguns metros do caminho) tombada pelo aterro lançado pela encosta
Árvore (a alguns metros do caminho) tombada pelo aterro lançado pela encosta

 

Carvalho danificado (casca atingida pela máquina)
Carvalho danificado (casca atingida pela máquina)
Detalhe "paisagístico"
Detalhe “paisagístico”

Para além dos danos individuais às árvores, o cenário que se apresentava era expressão de uma fealdade que mais chocava por se opor diametralmente a um dos propósitos do projecto: o de trazer beleza a uma paisagem a este nível tão sacrificada. Foi também um trabalho de uma enorme desconsideração, de um enorme desprezo, para com o esforço de todos os que, ao longo dos últimos 5 anos, aqui aplicaram as suas energias para tornar este pedaço de paisagem mais viva e atractiva. E tudo isto para quê, para atingir que objectivo? Para nada, rigorosamente para nada. O caminho poderia ter sido melhorado sem provocar qualquer dano a uma única destas árvores, sem deixar este recanto como uma grotesca expressão da mais completa insensibilidade quer em relação aos objectivos deste projecto, quer simplesmente ao que aqui se podia encontrar neste momento.

Se a terra, a natureza, mesmo as pessoas, se tratam desta forma mesmo sem razão que se vislumbre, imagine-se se alguma razão, por mínima que seja, puder ser invocada. É caso para nos perguntarmos seriamente o que é que esta sociedade, os seus valores, os seus horizontes, o seu fio condutor, está a fazer aos seus cidadãos. Dar tais respostas, reflectir sobre as questões, é com efeito tão essencial quanto são necessários os trabalhos que este projecto leva a cabo, talvez até ainda mais, pois que se não houver pessoas sensíveis (aos seus propósitos) não há projecto, ou será muito difícil mantê-lo no terreno. Mas essas reflexões, ainda que subjacentes, já não são do âmbito do projecto ele próprio, pelo que ficamos por aqui. Apenas para concluir este tema, se acrescenta que o necessário protesto foi já endereçado à Junta da União de Freguesias de Belazaima, Agadão e Castanheira.

Num “comprimento de onda” diferente e ainda que um pouco à margem deste projecto, foi também enviado à Junta de Freguesia o dossier Quercus relativo à aplicação de herbicida em espaços públicos, que nesta freguesia foi este ano realizada de forma absolutamente excessiva e mesmo totalmente desnecessária. Para quê eliminar toda a vegetação das bermas não pavimentadas e taludes das estradas, fora das povoações? E mesmo dentro das povoações? Para quê usar mão de obra, gasóleo, máquinas e herbicida para eliminar a vegetação dos únicos locais onde a pressão humana não se faz directamente sentir e onde ela, vegetação, se constitui mesmo como uma forma gratuita e espontânea de embelezamento? Em parte a resposta é: faz-se porque é fácil de ser feito. Coloca-se um operador em cima de um tractor e outro a manobrar a agulheta de um pulverizador e depois é só ir andando e espalhando a nuvem mortal sem esforço e com todo o “conforto”, de cima do tractor. Mas faz-se também, e mais uma vez, devido à dificuldade em apreciar a beleza dessa vegetação que, em 90% das situações (pelo menos) nenhum estorvo e nenhum inconveniente origina. Faz-se, ao mesmo tempo, com dano potencial e de longo prazo, devido à dispersão no ambiente dos princípios activos e respectivos coadjuvantes. Faz-se, como tive oportunidade de constatar, mesmo ao arrepio das mais elementares regras de aplicação dos próprios produtos, como na pulverização de vegetação aquática sobre a própria água corrente de uma vala!

Meus amigos! O livro “Primavera Silenciosa” [Silent Spring, Rachel Carson] já foi publicado há mais de 50 anos! Quanto tempo demoramos a aprender? Para além da inutilidade e dano de tais aplicações, elas são uma péssima “escola”: num momento em que as aplicações de herbicida sobre o matagal dos eucaliptais aumenta, para os deixar, agora sim, um verdadeiro deserto com árvores (depois de tudo o que já se disse no passado sobre estes “desertos verdes”), estas acções enviam uma “mensagem” aos cidadãos locais, quase todos proprietários de terrenos com eucaliptos, e esta é de que está “bem” eliminar tudo o que “não interessa” à produtividade (financeira, não biológica, claro) da paisagem, nem que seja com “armas químicas”.

Talude com vegetação espontânea pulverizado (Belazaima - Feridouro)
Talude com vegetação espontânea pulverizado (Belazaima – Feridouro)
Arbusto (Frangula alnus) queimado
Arbusto (Frangula alnus) queimado
Heras parcialmente queimadas
Heras parcialmente queimadas
É assim que dá gosto percorrer as nossas estradas?
É assim que dá gosto percorrer as nossas estradas?
Carvalho pequeno atingido
Carvalho pequeno atingido
Melhor em baixo do que em cima?
Melhor em baixo do que em cima?
Carvalho, um apenas entre as várias árvores queimadas entre Belazaima e o Feridouro)
Carvalho, um apenas entre as várias árvores queimadas entre Belazaima e o Feridouro)
Fonte de água corrente pulverizada
Fonte de água corrente pulverizada
Valeta com água (e plantas aquáticas) atingida por herbicida (Feridouro)
Valeta com água (e plantas aquáticas) atingida por herbicida (Feridouro)

Dito tudo isto, nunca no passado, nem neste momento, se procurará esconder o facto de nós próprios usarmos essas mesmas “armas químicas” como parte essencial do desenrolar deste projecto, na eliminação da rebentação das mimosas e dos eucaliptos. Porque neste caso e nas condições em que se encontra a nossa paisagem seria impossível conseguir a diminuição acentuada da área ocupada por estas espécies sem recurso a este meio. Mas neste caso:

1) a aplicação por pulverização utiliza-se apenas em manchas densas e mono-específicas, embora, caso ocorram espécies não alvo, se tentem poupar

2) a aplicação por pulverização é, de preferência, única, e realiza-se sempre que possível em pleno Verão, quando o dano a plantas em fase de repouso estival é mínimo e não há águas superficiais

3) em acções posteriores utilizam-se outras formas de aplicação localizadas, ou utilizam-se técnicas sem recurso a herbicida

4) utilizam-se as formulações de menor impacto, ainda que de preço mais elevado e eventualmente de resultados não tão efectivos

5) em todo o caso, temos consciência de que não é a solução ideal, mesmo tratando-se de um problema de especial gravidade, pelo que os canais estão sempre abertos para o encontro de soluções de menor impacto e de preferência sem uso de pesticidas

6) o seu uso tem como objectivo a promoção da biodiversidade e a recuperação dos habitats, não a sua eliminação

Como tenho os presentes responsáveis autárquicos em (bem) melhor conta do que as situações relatadas deixam supor, só posso admitir que o ocorrido nas duas se deveu a desatenção ou menor controlo desses responsáveis relativamente à actuação dos operadores e portanto cabem aqui as expectativas e os votos de claras melhorias para o futuro.

Paulo Domingues

2 Replies to “Primavera (ainda) silenciosa, 52 anos depois, em Belazaima”

  1. Mais dois belos exemplos da irracionalidade de quem se espera que actue em prol da cominidade e do seu bem-estar, e tudo por falta de sensibilidade (ou ignorência?) das pessoas, dos decisores políticos e de quem aplica as medidas no terreno, quanto ao valor de um ecossistema e dos vários elementos que o compõem. Tudo é visto sob o ponto de vista material: é atribuído a um eucalipto um valor que não visto num carvalho. É pena.

  2. Simplesmente lamentável…a facilidade com que uma entidade publica destrói valores naturais e trabalho voluntário de um projecto que, provavelmente, é a melhor coisa que até hoje aconteceu para colocar a freguesia no mapa na sustentabilidade, ou pelo menos, no seu caminho…

    Mas já Jesus dizia: «Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.» Lucas 23:34.

    e assim sendo, há que os sensibilizar para que da próxima redireccionem a sua actuação num outro sentido (o correcto), quiçá até mesmo redimindo-se através de umas jornadas voluntárias no projecto! Fica o desafio.

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