No dia 31 de Maio, último do mês por excelência da Primavera, realizou-se mais uma jornada de trabalho no Cabeço Santo. O objectivo era iniciar um trabalho de sinalização de plantas nativas que se encontram misturadas com as exóticas e invasoras, a fim de facilitar o trabalho de corte destas últimas que equipas contratadas irão iniciar em breve. Uma das equipas vai iniciar o trabalho já amanhã, 3 de Junho, e vai iniciá-lo no vale 4b (para facilitar as referências topográficas, os vales principais onde se desenrolam os trabalhos do projecto foram numerados e podem ser identificados na carta; num documento a acrescentar em breve à página “O Cabeço Santo” estes vales serão caracterizados com mais detalhe, bem como serão explicados outros elementos adicionados à carta 1:25000).
Ora este vale constitui o limite de uma das áreas de conservação na propriedade da Silvicaima, sendo que a área adjacente é uma mancha de eucaliptal que a empresa decidiu manter (ou seja, não foi uma área mobilizada para nova plantação, mas manteve-se a rebentação da plantação antiga). Faço aqui um parêntesis para acrescentar que no contacto inicial com a Celbi foi proposta a descontinuação desta mancha, já que logo a seguir se encontra outra área de conservação, e a reconversão desta mancha daria maior dimensão e unidade à área de conservação. Não foi possível, pode ser que ainda o venha a ser dentro de 10 ou 15 anos, quando os eucaliptos dessa mancha forem cortados.
Deste modo, era também necessário assinalar no terreno o limite da área de intervenção de recuperação do vale, para que a equipa contratada saiba exactamente até onde pode ir. Isso significava estabelecer uma linha visível no terreno, aproximadamente paralela ao vale, entre o caminho da cota 240 m e o caminho da cota 360 m, numa extensão de cerca de 290 metros. Trabalho facilitado pelo facto de existir aí um antigo caminho florestal que serpenteia pela encosta acima,… mas dificultado pelo elevado declive do terreno e pela densidade da vegetação invasora aí existente. De facto, este foi o principal obstáculo à realização do primeiro objectivo para este dia: assinalar as plantas arbustivas da flora nativa. E no entanto fiquei surpreendido pela sua abundância: realmente, nesta zona encontra-se uma densidade de murta como não acontece em qualquer outro local de intervenção do projecto. Também medronheiro, claro, mas decididamente a murta é dominante nesta zona. Só que, para chegar às plantas nativas é necessário romper através de uma tal densidade de plantas invasoras (mimosas, acácias-de-folhas-longas, eucaliptos), que isso só seria possível abrindo corredores, o que tornaria o trabalho demorado.
Na prática, acabei por ocupar a maior parte do tempo abrindo o corredor de delimitação da zona de intervenção, começando a meio da encosta, já que a partir de baixo era impossível avançar. Constatei que muitos eucaliptos de origem seminal ainda se arrancavam com facilidade, mesmo aqueles com 1 ou 1.5 metros de altura. A progressão para baixo ia-se tornando cada vez mais difícil, pois não só a vegetação se tornava mais densa como aumentava também a densidade das mimosas queimadas tombadas. Dado que a vegetação que cresceu após o fogo o fez através dos ramos secos destas árvores, o conjunto fica particularmente intrincado e impenetrável. Pela hora do almoço já tinha aberto um corredor de uns 80 metros encosta abaixo, mas depois decidi fazer um ensaio do trabalho que a equipa contratada irá realizar, a fim de melhor a poder orientar. Assim, limpei uma área junto ao caminho de subida da encosta, fazendo uso da motosserra, do tesourão, e… das mãos. O declive do terreno e a necessidade de arrumar o material queimado e as plantas verdes cortadas de modo a estorvar o menos possível a continuação dos trabalhos e sem estragar os arbustos nativos são os principais desafios. Mas faz-se… Para além de murtas e medronheiros, encontrava-se no meio dessa enorme confusão vegetal um pequeno carvalho-roble! Depois de terminar de limpar esta área, em escassas duas horas, imaginei brevemente o que poderia fazer aqui uma equipa de 20 voluntários motivados…!
Pelo meio da tarde decidi abrir o corredor encosta acima. Nesta direcção já havia muito menos acácias e as plantas invasoras eram sobretudo os eucaliptos, mas aqui já não era possível, na sua maioria, arrancá-los. Mas com o diâmetro que ainda têm, o tesourão de poda funciona muito bem. Nesta parte mais elevada da encosta, este seria um daqueles trabalhos que uma equipa de voluntários faria com alguma facilidade, tendo ainda o atractivo de haver muitas plantas de murta para desafogar. Murta, essa planta consagrada à deusa Vénus (esta, quando nasceu, ao ver-se desnuda, escondeu-se atrás de uma murta), e portanto associada ao amor, fonte de essência perfumada de angélica inspiração (Eau-d’Anges), e com propriedades medicinais generosas. Poético o suficiente para motivar potenciais voluntários? Mais um argumento: Pode não ser tão apelativo, mas é mais fácil e consequente dar nova vida a plantas nativas já implantadas, pela remoção da vegetação exótica circundante, do que plantar novas. Não há dúvida que, se este trabalho não fosse empreendido, todas estas plantas em breve secariam, devido ao ensombramente e à concorrência das infestantes.
Depois de ter aberto um corredor de outros 80 metros encosta acima, voltei ao anterior, para ver se conseguia romper até ao caminho da cota 290m. Inicialmente parecia impossível avançar mais, mas depois, um pequeno afastamento do vale permitiu-me entrar numa zona de antigo pinhal onde, de repente, acácias e eucaliptos desaparecem para dar lugar a uma área de fetos. O pinhal que aqui existia desapareceu completamente com o fogo. Para além de alguns pinheiros ainda caídos no solo, a única memória dessa formação são as fundas covas que ficaram no terreno, nos sítios onde estavam as árvores e que, devido à elevada combustibilidade da sua madeira, foram consumidas até bem ao interior da terra. Não é difícil, num local como este, cair num buraco perfeitamente circular com 70 ou 80 cm de profundidade. As únicas árvores verdes com mais de 5 metros de altura que aqui é possível encontrar são os sobreiros, árvores de pequeno porte, porque se encontravam no seio de um pinhal mais ou menos denso, mas que, mercê da sua notável capacidade para recuperar do fogo, aí estão, agora sós, a reclamar um espaço onde num passado muito antigo deviam ser muito mais abundantes, constituintes talvez dominantes de uma paisagem cujos contornos hoje apenas escassamente se conseguem imaginar.
Para terminar este já longo dia, duas ou três fotos ao vale 4a, curiosamente de características bastante diferentes do 4b. Invadido sobretudo com Acacia longifolia e eucaliptos, mas com poucas mimosas.
No próximo Sábado os trabalhos voluntários continuam. Inscrevam-se antes que esgote!
Paulo Domingues
Já pensaste em ir à Vinizaima procurar voluntários? rs rs
(Pois é, eu para variar tenho o trabalho atrasado…)