Neste princípio de Junho há já duas equipas no terreno em trabalhos de remoção mecânica de vegetação exótica e invasora: uma progredindo para jusante do vale 6 ao longo da margem direita do Ribeiro de Belazaima, outra progredindo para montante ao longo do vale 7. As duas realizam difícil trabalho, desfazendo lentamente um emaranhado de rebentação recente e madeira queimada que, uma vez no solo, continua a tornar o acesso difícil às áreas trabalhadas. O ideal seria que boa parte dessa vegetação fosse removida, mas o seu pequeno valor e as dificuldades de acesso dificultam essa saída [1-2].
Entretanto chegou o pico de floração do castanheiro [3]. Há apenas um ou dois castanheiros conhecidos no Cabeço Santo, sobreviventes ao cataclismo de 2005. Mas no nosso viveiro local, onde crescem já mais de mil árvores para plantar no próximo ano, estão algumas dezenas deles [4].
Voltemos ao Cabeço Santo. A visita guiada programada para o dia de ontem, 6 de Junho, não se realizou porque a maior parte dos interessados não estava disponível. Ficou, em última chamada, para 13 de Junho. Mas a verdade é que, se se tivesse realizado, acabaria molhada. Eu sou bem testemunha disso, pois, querendo manter a “promessa” de ir ao Cabeço Santo e aproveitando a expectativa de melhoria das condições atmosféricas para a tarde, pus-me a caminho. Já no Feridouro, fui convidado a ver um espaço onde nidificava uma coruja. Aparentemente, havia dois filhotes mas um tinha desaparecido e a dona da casa estava agora a alimentar o outro, pois que lhe parecia que a mãe não o estava a fazer. Oxalá seja bem sucedida. Penso que se trata de uma coruja-do-mato, talvez a única das nossas rapaces nocturnas que ainda é de quando em quando referenciada localmente [5].
De volta ao percurso fiquei logo retido por um longo aguaceiro e acabei por aceitar o empréstimo de um guarda-chuva para poder prosseguir viagem. Assim, segui pelo caminho ribeirinho até à mata da Silvicaima, onde a área já intervencionada pelo projecto se inicia com uma estreita e inclinada faixa de terreno que confina, junto ao Ribeiro com uma ainda mais estreita mas agora plana antiga leira agrícola que a Quercus tem em fase de aquisição. A leira cultivava-se mas o acesso fazia-se por estreito e inclinado carreteiro. Outros tempos…! Mais a montante ainda se encontra outra leira, ainda mais estreita, que culmina num arruinado moinho de água. Mas foi exactamente nestas leiras que resistiram alguns carvalhos de porte elevado. Depois de tantas adversidades que passaram, terão agora o seu espaço assegurado. Mas esta área difícil ainda dará muito trabalho de acompanhamento. Em particular, muitas mimosas não puderam ser atingidas com herbicida, sendo abundantes os rebentos. Terão que se ir cortando mas o mais difícil é chegar aos locais onde se encontram.
Mais um forte aguaceiro e as botas começaram a meter água…
Mas logo ali à frente, onde a faixa se alarga, verifiquei que os carvalhos, os sobreiros e os medronheiros plantados este ano estão deleitados com o tempo. Para já, as baixas são muito pouco expressivas, mas claro, o principal desafio – o Verão – ainda está para vir [6-7].
Depois de uma olhadela à área onde se têm realizado trabalhos nas últimas semanas e reparado que os carvalhos que se encontravam perdidos no meio das exóticas já quase dominam a paisagem com o seu verde [8], continuei pelo caminho mais próximo do Ribeiro. Depois de passado o vale 6 uma densa “frente” de ocupação do vale aparece de repente [9]. É uma das áreas ainda por trabalhar, que se estende até ao vale 7, o limite, por agora, da área de intervenção do projecto.
Continuando pelo caminho, agora apenas nele próprio se vislumbra algo de interessante, o que parece um paradoxo. Uma flor que julgo ser uma Prunella spp. (mas corrija-me quem souber) [10] e outra planta, ainda sem flor, mas que já vejo neste caminho há muitos anos (pode ser que já esteja em flor no dia 13).
Finalmente atinjo o vale 7, na confluência com o caminho para Belazaima-a-Velha, onde a segunda equipa começou esta semana os seus trabalhos [11]. Depois, com mais um forte aguaceiro a desajudar, tomo o caminho mais próximo para a casa de Santa Margarida, onde espero encontrar um sítio seco para lanchar. Passam por mim com uma incrível ruideira uns estranhos a esta paisagem que, sobre quatro rodas, avançam com igual rapidez pelos eucaliptos como pelas acácias como pelas áreas de paisagem mais ou menos recuperada. Por detrás dos seus fatos lunares, não se devem molhar, e também não sei que encantos os conseguem atravessar. As aves certamente fogem a “sete asas” à sua aproximação e eu só não o fiz porque não tenho asas,… nem rodas. É difícil evitar um sentimento de que alguma coisa esteja a ser agredido. A vantagem que têm é que desaparecem depressa, só deixando os rastos, embora fiquem os muitos plásticos que usam para demarcar os seus percursos, os seus e os de outros grupos que por estas paragens deixam plásticos por todo o lado [12]. Ainda um dia havemos de organizar uma jornada de trabalho para recolher esses plásticos, e talvez deixá-los à porta de quem os lá colocou.
Ao chegar à casa, a chuva parou. Mas aproveito para retemperar forças entre paredes. E depois para dar uma olhadela a algumas das muitas árvores que à volta da casa foram plantadas este ano. E imagino como será este local daqui por 50 anos…
Depois continuo a subida até à cabeceira do monte, onde uma faixa de matagal se desenvolve ao longo do monte. Uma torre de medida da velocidade do vento lembra uma nova invasão prometida para esta paisagem: torres eólicas a perder de vista. Certamente que não prometo vestir uma armadura e empunhar uma espada contra esses novos moinhos de vento pintados de um verde cada vez mais descorado, à medida que o seu número e a sua dimensão se tornam cada vez mais, não no símbolo da harmonia entre o homem e a natureza, mas no da desarmonia e do excesso. Mas certamente que gostaria que pelo menos não ocupassem a área do marco geodésico. Um cartaxo cantou em exclusivo para mim demoradamente, embora empoleirado a uma distância segura. Será da mesma opinião quanto às eólicas? Em todo caso, quem quer saber da opinião de um cartaxo? E de invasores já esta paisagem está bem guarnecida. Por aqui as háqueas vão sorrateiramente crescendo entre o matagal até que possa chegar algum “combatente” pela vida silvestre até estas paragens (esta área está fora da área de intervenção do projecto, embora a Silvicaima tenha intenções de desenvolver aqui algum esforço).
Um pouco mais à frente, na zona do marco geodésico, havia uma área de alguns hectares densamente invadida com Acacia longifolia e com poucas plantas de interesse pelo meio. Depois de ouvidos os consultores do Projecto Cabeço Santo e os técnicos da Silvicaima, optou-se por passar aqui uma grade de discos de 4 toneladas e enterrar directamente toda essa massa de vegetação. De outro modo seria muito dispendioso resolver o problema, para além de que, como muitas das plantas já estavam a amadurecer sementes este ano, se não fosse feito rapidamente não se evitava uma nova dispersão de sementes. O trabalho foi realizado já há cerca de um mês. Ainda foi possível realizar um corte manual em torno de alguns carvalhos, salgueiros e poucos medronheiros que aqui havia, e assim poupá-los a uma destruição certa. Seguramente que agora é necessário realizar um trabalho cuidadoso de seguimento, antes de se proceder à implantação de espécies nativas. Mas para já, parece ter sido uma operação bem sucedida [13]. E daqui mesmo, do ponto mais elevado do monte, fica uma perspectiva de Belazaima, momentaneamente iluminada por um raio de sol de um fim de tarde que agora, finalmente, me permitia arrumar o guarda-chuva [14].
Só agora estava a chegar à mais extensa e mais bem conservada área de vegetação nativa do monte, onde se inclui a propriedade adquirida pela Quercus em 2006. Mas, como o tempo se esgotava, tive que descer o monte quase a direito em direcção ao Feridouro. O hipericão estava em flor [15], o Agrostis começava a adquirir a sua maravilhosa tonalidade de início do Verão [16], e as plantas carnudas das rochas procuravam aproveitar toda esta abundância de água para os tempos de escassez [17]. Ainda tentei encontrar uma erva-língua (Serapias lingua), que ainda não tinha observado este ano, mas sem sucesso. Ao fundo da propriedade da Quercus, uma última perspectiva desta bela paisagem [18] e a promessa de uma boa colheita de medronhos para o próximo Outono [19]. Depois, a descida ao longo do vale 2 até ao Feridouro, ponto de partida e de chegada.
Termino apenas lembrando que quem quiser vir ao Cabeço Santo no dia 13 ainda pode fazê-lo, inscrevendo-se. Esta visita é também, ou sobretudo, mais uma ocasião para colher impressões e ideias que possam ser úteis no desenrolar do projecto.
Paulo Domingues